Tinham esquecido um sapato. Claro, sempre esqueciam de um sapato. Não era um par, era apenas um sapato. Mas afinal, o sapato não tinha par, como não iriam esquecê-lo?
Um senhor passeando com o cachorro o viu no meio da rua. Balançou a cabeça entristecido e jogou-o no lixo. “Aonde este pais vai parar? as pessoas não sabem mais cuidar da cidade, jogam tudo no chão!” resmungou exasperado.
Uma senhora catando lixo o encontrou. Pegou-o e ficou observando por um tempo, perguntando-se o que poderia fazer com apenas um sapato. Concluiu que nada, e jogou fora novamente.
O caminhão de lixo passou e os garis pegaram os sacos e jogaram no caminhão. Desgraçadamente um furou e o lixo se espalhou na rua. Na pressa esqueceram-se de levar o sapato.
E o sapato ficou lá, inútil peça sem sentido, porque não era um par, era apenas UM sapato. Quem iria poder usá-lo? Nem o Saci, pensou Maria Lúcia, porque o Saci gosta de andar de pé descalço na mata como ela, Maria Lúcia.
Maria Lúcia é uma menina que gosta de histórias. Na escola ouviu um pouco do folclore brasileiro e gostou muito do Curupira e da Iara, achou a Mula-Sem-Cabeça sem graça. A do Saci ela também gostou, mas não entendeu direito como se captura.
Maria Lúcia cresceu e agora trabalha numa empresa de telemarketing. Passa apressada pelas ruas. Tem medo de andar na rua, quem sabe o que pode acontecer? Outro dia esbarrou sem querer e a chamaram de preta suja. Maria Lúcia fica triste quando houve essas coisas.
Mas ai Maria Lúcia estava andando por essas ruas das quais tem medo e sem ver passa por um beco, onde jaz o sapato, um sapato sem o outro par, inútil.
Maria Lúcia não sabe, mas dentro deste velho sapato inútil tem um ovo. O ovo se abre e dentro dele sai um passarinho pequenininho, as asas mais pretas, essas sim são pretas de verdade, do que Maria Lúcia e o Saci, e o resto do corpo penas vermelhas como a carapuça do Saci.
É do Saci que Maria Lúcia vai lembrar quando ver esse pássaro voando nessa rua da qual ela não vai mais ter medo.
Mas aí é outra história, porque o estrondo das bombas e os gritos abafados não nos deixou entender como acaba essa história. Essa, da Maria Lúcia, do passarinho e desse sapato, e porque não, de muita gente que na rua vai se encontrar, quando não tiver mais medo.