Yggdrasil
por livio rosa
O aço dos trilhos
Categories: Sobre as folhas

A estação de trem estava vazia e o sol estava forte. Sentado no único banco embaixo da única sombra estava eu e uma velhinha que parecia muito frágil, e carregava um sorriso zombeteiro nos lábios.

No silencio não se distinguia nenhum som de trilhos, o trem estava realmente demorando. Maldita baldeação.

As estações de trem são como ilhas, espaços intermediários. Existem e não existem. Parecem estar fora do mundo, e chega-se a duvidar se o trem irá passar. Numa estação milhares de histórias se cruzam, quem volta cansado para casa, quem vai pro trabalho, quem vai visitar um amigo ou um parente, quem terminou com a pessoa que amava, quem está fazendo alguma coisa no celular, quem vai para um destino desconhecido e quem vai para um assentamento.

Enquanto minha mente vagueava pela monotonia da estação, a velhinha deu uma leve risada. Não sei por que, mas me irritou, do que diabos ela estava rindo? E ao pensar isso ela desatou a rir mais ainda, obtendo assim o aumento progressivo da minha irritação por uma postura assim tão descabida.

Ela se virou e olhou pra mim, seus olhos me imobilizaram, pareciam um buraco negro.

– Você é jovem, não deve entender muito da vida, mas sabe, esses trilhos não conduzem somente à uma cidade. Eles podem nos levar a historias muito distantes…

Perguntei irônico a que tipo de histórias os trilhos me levariam. Ela riu e respondeu “De trens, é claro”. E abriu a boca, de onde as palavras saiam e escorriam como um rio, me carregando como num limbo.

Contou-me a história de uma ferrovia que ao passar tomava as terras de quem nelas morava e trabalhava. De um empresário do norte, de um governo novo, de jovens soldados transformados em carrascos sanguinários, de um velho que virou santo e profeta, de milhares de homens e mulheres que lutaram numa guerra desigual pelo seu direito à terra e à redenção eterna. De uma menina de 15 anos que liderou 6 mil sertanejos ao combate, de um alemão que se uniu aos revoltosos e no fim acabou traindo-os.

A história de um pai, tal Pietro Rigosi que trabalhava como condutor de trem, de duas meninas de três anos e dez meses, que num 20 de julho de 1893 apossou-se de uma locomotiva e lançou-se contra um trem de luxo, na tentativa de fazer justiça, atendendo à um chamado de uma luta antiga e palavras novas, na época do despontar de um novo progresso e novas idéias.

De como a construção de uma outra ferrovia para ir da costa leste à oeste custou a morte de tantos bravos guerreiros que portavam penas e tomahawks, e para os quais o progresso construído em cima dos cadáveres dos búfalos não era nada mais do que uma máquina assassina e traiçoeira.

De quando os operários, operarias, idosos e crianças do norte e do centro de um pais com forma de bota foram até o sul, passando por cima de bombas e atentados, para prestar sua solidariedade a seus companheiros e companheiras que enfrentavam o patronado em greves e manifestações, pelo direito à viver em paz e com dignidade.

Contou essas e muitas outras, que pareciam deslizar sobre os trilhos, como folha levada pela correnteza. E ao terminar fez um grande silencio, como se a narração tivesse requerido um enorme esforço. Quando fui perguntar quem era ela, distrai-me pois o meu trem chegara, e quando virei o rosto novamente, a velhinha havia desparecido.

 

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