Antes de partir.

Olhei pra frente, pra estrada que me esperava. Inspirei fundo

Enquanto o ar entrava nos meus pulmões, comecei a rever cenas da minha vida, os rostos mais queridos, os olhos mais bonitos, os dias mais magníficos e os mais trágicos.

Esticou-se um leve sorriso de melancolia, antes de partir.

Senti os objetos que carregava comigo, testemunhas vivas do meu coração, antes de partir. Uma tampinha de garrafa daquela noite de celebração de um pequeno sucesso como nossas vidas e grande como nossos sonhos; um isqueiro encontrado nos restos de uma viagem; um boné, vermelho como o nosso sangue que corre nas veias e o dos que tombaram em nossa luta, desbotado pelo sol e um anel de tucum negro, como o luto e a raiva que carregamos.

Antes de partir. O avião para a cidade cinza e fria que me esperava, o trem que me levaria até o outro lado do mar, o ônibus para atravessar montanhas e planícies. Antes de partir, pensei aos quilômetros que me aguardavam e dos punhos erguidos e bandeiras hasteadas para os quais me dirigia.

Pensei nisso umas duas vezes, ri uma terceira, chorei uma quarta, e enfim, finalmente, enquanto olhava para o caminho que havia percorrido, o ar saiu forte como o vento quando espirei, antes de partir.

E enquanto nasciam as flores numa tarde de primavera ao longo da estrada, parti.

Começaram a cair as primeiras gotas de chuva